Estranho mundo este

                                                                                

Mal ligamos a televisão é assistir, ao vivo e a cores, aos males do mundo. São catástrofes naturais imprevisíveis e galopantes, conflitos, guerras e danos colaterais, desentendimentos e desacordos numa sociedade tendencialmente polarizada e esquizofrénica. Um mundo estranho onde o verbo viver está cada vez apenso ao prefixo 'sobre' originando um conceito diferente, ou seja, pior.

Não há dia em que não nos sejam mostradas mortes, maus-tratos de toda a espécie, atentados, violência sob as mais variadas formas, em estado de agravamento exponenciado. O que é certo e incontestável é que a Humanidade está deteriorada, particularmente, alguns líderes, que em súbitos acessos de egocentrismo e pedantismo, se julgam imperadores brincando com o mundo como se de uma bola se tratasse. 

Acresce uma (cada vez maior) onda de ignorância, conspiração, e, pasme-se, de desinformação. Um flagelo. Quem é que nos havia de dizer, numa altura em que estamos a um clique de comprovar isto ou aquilo, que nos deixamos levar pelo "vi no Facebook", como se o que nele consta fossem dogmas absolutos e inquestionáveis.
Como é que chegámos a isto? Como é que nos tornámos sabedores e opinadores de tudo e mais alguma coisa, baseados, meramente, em títulos e imagens manipuladas das redes sociais? Como é que, de dedo em riste, julgamos em comentários (escritos) públicos,  opinando sobre aquilo que muitas vezes desconhecemos? 
Estranho mundo este em que prevalece o instante enquanto o passado, a história (com a qual deveríamos aprender para não replicar), a génese - aquilo de que somos feitos, deixa de ter qualquer valor. 

Em 1945, há a-pe-nas 80 anos,  terminava a 2ª guerra mundial e, em simultâneo, libertavam-se dos campos de concentração da Alemanha nazi, milhares de judeus que, apesar de tudo, conseguiram sobreviver. Contrariamente, não resistiram seis milhões, entre eles crianças,  jovens e adultos, sem olhar a géneros, uma mortandade ao mais alto nível.  Contudo, há hoje quem considere inverosímil esta tragédia, outros desconhecem-na ou dizem tratar-se de coisas de filmes, pode lá isso ser?
Sim, pode ser! E pior, pode voltar a acontecer. 

Num apelo à consciência basta que, numa breve alusão, pensemos em países pseudodemocratas, para assim constatar o retrocesso civilizacional. 
De há uns anos a esta parte, considerar  a invasão a um país soberano, livre e democrata, era impensável, ação exclusiva de antepassados bárbaros. Mas não, somos espectadores desta bizarria  - a destruição e tomada à força de territórios, apenas e só porque alguém se acha no direito de os ter.   
Que em séculos anteriores isto tenha acontecido, já o sabemos, agora replicarmos as mesmas lastimáveis ações é que não estava previsto na urbanidade, vulgo condição humana civilizada.

Agora concretamente aqui, neste país à beira-mar plantado, embora gozando de uma democracia que se espera continuada,  prosseguimos com nítida dificuldade organizacional. Um autêntica roda-viva onde há de tudo menos bom-senso; onde se dá primazia a "casos e casinhos" (a quem é que eu já ouvi isto?) e se deixam de lado os reais problemas do país, tudo isto a pender já para um cenário de eleições legislativas (as terceiras em três anos). Surreal. Assim, decerto, entraremos para Guiness book, pelas piores razões.
O cerne da questão é cada um pensar na individualidade, em vez de o fazerem em prol dos demais, acrescendo o facto da polarização e o julgamento antecipado em praça pública pela boca de comentadores de tudo e mais alguma coisa que, de forma absolutamente parcial, vociferam em defesa de quem lhes paga e atacam implacavelmente aqueles que querem destruir, sem provas reais, baseados em ilações, no diz-que-disse marcado por laivos de inverdades. 

Certo é que a literatura, e para quem não lhe resiste e a tem como aliada, nos prova que a história é cíclica ou, noutra perspetiva, mostra-nos afinal que a evolução social não é assim tão evidente. Incontestável é este excerto (entre tantos outros), escrito em finais do século XIX, a quatro mãos: Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão:

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"Aproxima-te um pouco de nós, e vê. O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada, os carácteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a conveniência. Não há principio que não seja desmentido. Não há instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Ninguém crê na honestidade dos homens públicos. Alguns agiotas felizes exploram. (...) O desprezo pelas ideias em cada dia. Vivemos todos ao acaso. Perfeita, absoluta indiferença de cima abaixo! Toda a vida espiritual, intelectual, parada. O tédio invadiu todas as almas. A mocidade arrasta-se envelhecida das mesas das secretárias para as mesas dos cafés. 
(...)
Neste salve-se quem puder a burguesia proprietária de casas explora o aluguer. A agiotagem explora o lucro. A ignorância pesa sobre o povo como uma fatalidade. O número das escolas só por si é dramático. O professor é um empregado de eleições. (...)"

in Farpas, com publicação em Junho de 1871.
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Fácil reconhecer as semelhanças, não?



Pensava eu, inocência à parte, que o mundo só poderia vir a ser melhor, ainda que paulatinamente. Não. Avizinham-se fenómenos extremos e avassaladores (para além dos climáticos).






Imagem Google







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