Magia de Natal

A cada dia que passava, Teresa sentia-se cada vez mais empolgada com a chegada do Natal. Em casa, a árvore já estava decorada e a cada fim de tarde, quando ligava as luzes, era como se ela própria se enchesse de luz. O presépio também já estava montado embora sem o Menino Jesus, pois, tal como a mãe dizia, só nasceria à meia-noite de Natal. Mesmo assim, todos os dias lhe perguntava quantos dias faltavam para o Menino nascer, ao que lhe respondia:
- Menos um do que ontem, meu amor!
Teresa sorria e lá continuava embrenhada pela magia natalícia.
Sabia que, brevemente, viajaria com os pais e os irmãos até à casa dos avós, na serra. Era lá que todos os anos passavam o Natal. Iam uns dias antes e lá se juntavam aos primos, aos tios e tias, e claro, aos avós. Que alegria sentia! Durante a viagem perguntava repetidamente se faltava muito para chegar.
O pai, com o mesmo sorriso de sempre, respondia-lhe que já faltava pouco, ao mesmo tempo que lhe piscava o olho pelo espelho retrovisor do carro. A mãe sugeria-lhe que dormisse, assim o tempo passaria mais depressa, mas Teresa não queria. À medida que avistava montes a tornarem-se cada vez mais altos, pressentia que já não havia de faltar muito para chegar.
Vestia um casaco de lã encarnado e tinha um gorro da mesma cor que parecia refletir-se nas suas bochechas redondinhas. 

Mal entraram na quinta, o pai começou a buzinar e depressa os avós se puseram à porta, à espera dos abraços e dos beijinhos repenicados que só Teresa sabia dar. Dizia-lhe muitas vezes o avô, que era a princesinha lá de casa. Ouvir isto deixava-a radiante, e sentia-se ainda mais feliz ao ver que todos riam e pensavam o mesmo, o que a deixava de olhos a brilhar. Era a única menina entre  irmãos e primos. E a mais pequenina. Um doce, mimada, sim, mas determinada e segura de si para quem tinha apenas uma mão cheia de anos.
Estava muito frio e ao fim do dia começava a cair uma neblina densa.
Teresa fora com o avô buscar toros de lenha para abastecer a enorme lareira da sala, mas antes haviam de passar pelo celeiro para ver da pata que estava a chocar os seus ovos.
Ao chegar, avistou-a logo num pomposo monte de palha, sentada sobre os seus ovos. Assim que se aproximou, assustou-se com o seu esbracejar espalhafatoso, como que a proteger o seu tesouro. O avô sussurrou:
- Não te aproximes, Teresinha, que assustas a senhora dona pata! Brincou o avô, prolongando as sílabas das últimas palavras,  porque naqueles grandes olhos castanhos já se viam gordas lágrimas a querer transbordar.
- Não queria fazer-lhe mal! - choramingou, para depois desatar num pranto imenso, tal foi o susto.
- Eu sei, princesinha! Sorriu-lhe o avó, acrescentando:
- Sabes, todas as mães são assim! Defendem as suas crias daquilo que pensam que lhes pode fazer mal, sejam as mães patas, galinhas, ovelhas ou mulheres. Porque as mães protegem sempre os filhos!
- Está bem, avô - disse baixinho, ainda a fungar.
- Olha, vamos já para casa que está a ficar muito frio aqui.

Nos dias seguintes, tios e primos iam chegando e assim aumentavam os lugares à mesa. Teresa, a mais pequena de todas, não tinha ninguém da sua idade, por isso, entretinha-se sozinha. Ora ia para o baloiço, ora ia ao galinheiro com a avó buscar os ovos, ou então andava pelo jardim,  contemplando o céu por entre as copas das árvores a ver se nevava. Mas nada, apenas dias cinzentos e muito friiiiiiiios.
Na antevéspera de Natal, já com toda a família reunida, a azáfama era grande. Cada vez que chegava um carro, dele saiam malas e presentes, que eram depois colocados debaixo do enorme pinheiro de Natal, muito maior do que o da sua casa, tão grande, que os braços do avô já não conseguiam esticar-se o suficiente para que Teresa colocasse a estrela no topo. Já estava muito crescida e pesadota! Foi então o pai que, num ápice, a fez voar até lá acima!
A avó, a mãe e as tias faziam alguns doces para a consoada e os homens traziam cestos de lenha e confecionavam o jantar. 
Na manhã seguinte, os rapazes jogavam à bola na relva do jardim. À medida que corriam, saia-lhes fumo pela boca, tal era o frio por aquelas bandas. Teresa, que não apreciava futebol, e enquanto os via pelas vidraças das janelas de sacada, lembrou-se da mãe-pata e foi até ao celeiro. Entrou pela porta pequena do portão, pois este era ainda maior do que o pinheiro de natal dos avós.
Aproximou-se devagar, com receio de acontecer o mesmo que no primeiro dia. Mas não. A pata estava imóvel, com um olhar parado, mas lá continuava cuidando dos seus ovinhos. Aproximou-se mais um pouco e arriscou soprar-lhe para o bico, mas nem truz nem muz. Ficou pensativa, porém decidiu voltar antes que alguém desse pela sua falta, pois sabia que a mãe lhe estava sempre a dizer para não sair do jardim.

Durante a tarde fez biscoitos de manteiga e de canela em forma de estrelas, com os avós, os primos e os irmãos. Estavam todos enfarinhados, mas felizes por verem aquelas suas obras-de-arte já a saírem do forno. E que bem que cheirava na cozinha!
Era quase hora de jantar e a mãe foi vesti-la com um lindo vestido xadrez e meias pelo joelho. Por cima, uma capa com capuz, que fazia lembrar a do Capuchinho Vermelho. Estava tão bonita que quando saiu do quarto todos lhe teciam elogios, muito deles em coro:
- Estás tão linda, Teresinha!
E lá as suas bochechas ficavam ainda mais encarnadinhas.
Depois do jantar, e por entre conversas e gargalhadas de adultos, brincadeiras dos rapazes mais novos e outros interesses dos mais crescidos, Teresa tornou a pensar na mãe-pata. Pé ante pé, e sem que ninguém se apercebesse, vestiu um casaco bem quente, pôs o seu gorro vermelho quase a tapar-lhe os olhos e aventurou-se até ao celeiro. Estava muito frio, mas uma lua gigante iluminava tanto o céu, que facilmente lá chegou. Uma luz ténue iluminava o celeiro. Teresa avançou na direção do monte de palha e ouviu mexer. De repente, viu cascas dos ovos partidas e pequenos bichinhos a mexer. 
- Ah! Já nasceram os patinhos! - exclamou. Ficou tão contente que nem se lembrava da mãe-pata. Viu-os, e disse baixinho: 
- Três, tão pequeninos e tão fofinhos! Amarelinhos!
Colocou um na mão.  
Olhou para o lado e viu que a mãe pata não se mexia. Teve medo e, com um pau, tocou-lhe para ver se reagia. Nada. Foi então que agarrou num molho de palha e a tapou. Despiu a capa que tinha por baixo do casaco e colocou os patinhos no capuz.
Entretanto, em casa, deram por falta dela e por entre quartos, salas e salinhas, todos chamavam pelo seu nome. Até que o avô disse:
- Já sei onde poderá estar!
A mãe e a avó, muito aflitas, perguntaram ao mesmo tempo:
- Onde??
- No celeiro! Vou lá ver! - apressou-se o avô.
Todos se dirigiram para a porta, e mal iam a sair, depararam-se com Teresinha, que já vinha de regresso, trazendo ao colo a sua capa de capuz. O seu nariz mais parecia o da Rena Rodolfo, tal era o frio que estava. 
A mãe correu para ela, abraçou-a e disse-lhe:
- Onde estavas, Teresinha? Estávamos tão preocupados contigo, filha!
- Já cá estou, como veem! - respondeu com ar maroto. Tive de ir ao celeiro ver se os ovos já estavam chocados!  - informou, como se fosse a coisa mais natural desta vida - uma menina de cinco anos ir, à noite, ao celeiro! Entre suspiros de alívio, começaram a rir com a resposta e a graça da petiz.
Entretanto, e com a pequena aventureira a salvo, regressaram para junto da lareira para que se aquecesse.
Retomadas as conversas e as memórias de tempos passados entre os adultos, Teresa foi junto do presépio e, na manjedoura, colocou um dos patinhos que havia embrulhado na capa, ficando com os outros ao colo.

Já a família estava reunida junto da árvore de natal, quando a avó se debruçou para colocar o Menino, no presépio, junto de Maria e José. Nesse momento, deu um pulo e gritou:
- Ai meu Deus! Mas o que é isto?!
Perante a admiração de todos, acorreram para ver o que se passava.  Ficaram a olhar uns para os outros e perguntavam:
- Mas o que faz um patinho no lugar do Menino Jesus?
- Credo! - exclamavam outros.
- Que coisa mais estranha! - indignavam-se os irmãos.
- Penso que sei quem pôs aqui o patinho... - sorriu o avô. Não é, princesa Teresinha?
Teresa fez um ar maroto e exibiu os outros patinhos.
- Ahhhhh! - exclamaram todos. 
- Para que trouxeste os patinhos, Teresa? - questionou-a o pai.
- São tão pequeninos! Deveriam estar junto da mãe! Ela deve estar muito triste sem os seus bebés, percebes, filha? perguntou a mãe.
Baixou a cabeça, envergonhada, e acrescentou:
- Eu só trouxe os patinhos porque a mãe-pata não se mexia. Ainda lhe toquei com um pau, mas nada. Como estava muito frio no celeiro, trouxe-os comigo - disse, já emocionada. Ao ouvi-la a família também se comoveu com o gesto inocente, mas muito nobre da pequenita.
- Ó meu amor, foste muito corajosa! Referiu o pai, baixando-se para lhe dar um beijinho.
- Não deve ter resistido - comentou em voz baixa, o avô. E continuou, dirigindo-se aos filhos e noras: 
- Há dias que estava a chocar os ovos, não comeu, nem bebeu. Quando lhe ia mudar a palha, estava tudo igual.

De repente começou a ouvir-se numa das janelas de sacada da sala toc, toc, toc. Passados uns segundos, o mesmo som, que pouco depois se repetia, toc, toc, toc.
O avô foi espreitar.
- Chega aqui, Teresinha! -alegrou-se o avô!
Acorreu rapidamente, com os três patinhos dentro do capuz da sua capa encarnada. O avô abriu a janela e eis que entrou a senhora dona pata, em busca dos seus bebés. A menina baixou-se e pousou os patinhos no tapete da sala, para que a mãe-pata os pusesse debaixo da asa onde cabiam todos, juntinhos. E ali, em plena noite de Natal, todos puderam observar o carinho com que tratava os seus bebés, um reencontro que se pensava já não acontecer.
Ao ver a alegria estampada na redonda face de Teresa, o avô disse:
- Vês, netinha...
- Não precisas dizer, avô, eu bem sei: as mães protegem sempre os filhos! - rematou, feliz.
E, naquele momento, começou a nevar intensamente, e um lindo manto branco cobriu toda a serra, como acontecia todos os anos, no Natal. 

                                                                     ♡



#3 
Rúbrica "Conto para todos"
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