Apontar o dedo - a nova estirpe

Não sei se sou apenas eu a pensar assim, se é geral, mas este confinamento está custar-me muito mais. Não me apetece estar em casa, mas faço-o por mim e pelos outros, essencialmente por proteção e por respeito, aquele sentimento que já pouco paira por aí. Cada vez estou mais convicta, e regendo-me pela revolta e ódio que se destila nas redes sociais - verdadeiros antros de perdição - onde as armas estão carregadas com palavras-bala prontas a disparar. O pior é que disparamos para todos os lados! 

Vejamos o caso concreto das medidas das escolas: se se fecham é porque se estão a privar os alunos da aprendizagem, do saber, de uma formação pessoal digna e equitativa; se não se fecha é porque há focos de contágio e porque os alunos podem bem passar um tempo sem aulas, e mais do género. Agora que não as há e que foram antecipadas as férias, carrega-se nos professores, os tais que têm 150 dias de férias, como muitos dizem. Tanto impropério, meu Deus!

Os profissionais de saúde, diretores de hospitais e de serviços fazem-nos o relato comovente e diário do caos. Trabalham turnos sobre turnos, privados de meios e infraestruturas que deveriam já ter sido precavidas, mas não foram. Mesmo assim estão lá, todos os dias, sem mãos a medir para combater o monstro invisível. Comem e calam; ao mesmo tempo, lutam, trabalham que nem mouros sem olhar a quem. Era aqui que nos deveríamos focar. Mas não. 

Ninguém quer ter o seu negócio fechado, ninguém quer deixar de ter uma vida normal, ninguém quer deixar de sair e de abraçar e de beijar. Há milhares de pessoas sem contrato de trabalho e em situações precárias de emprego que não vão ter comida para pôr na mesa, e isso é absolutamente dramático. Há profissões em que se acumulam turnos por dia; muitos já nem vão regularmente a casa para não porem ninguém em risco, e por isso, estão no limite das suas forças. 

Ao invés de se apaziguar ou tentar ajudar, olha-se de soslaio e com desconfiança, criticam-se todos os comportamentos e mais alguns. Bem sei que há os abusadores, os negacionistas, os rai's-parta-tudo-e-mais-alguma-coisa. Sim, há. Mas chegámos a um ponto em culpamos tudo e todos, escarnificamos, praguejamos, temos na mira todos os pontos cardeais e mais houvesse.  

Mas caraças, entendamo-nos! Com isto não tenho qualquer pretensão de defender medidas tomadas, mas digo-vos, com sinceridade, de que não gostaria de estar na pele de quem está à frente do país. Vivemos a maior crise sanitária de que há memória e para a qual nenhum país do mundo estava preparado; atrás dela virá o colapso financeiro e a juntar a isto, o mais importante, as vidas e as centenas de mortes que já temos a lamentar. Era nisto que nos deveríamos focar. Mas ainda não, por isso, não apontemos o dedo, não sejamos uma nova estirpe de um vírus também ele devastador, os inquisidores do século XXI. É por isso que admiro quem pouco diz, mas age; admiro os que vão e atuam; admiro os que não baixam os braços; admiro os que se reinventam; admiro os altruístas, os corajosos, os destemidos. 

Enjoa-me, quase a ponto de bolçar, o burburinho camuflado, e apresento como exemplo o cliché gasto e desenxabido "estamos todos no mesmo barco" proferido sem qualquer valor. Perante isto, digo apenas que talvez não estejamos e que o único aspeto que temos em comum é o tamanho da onda, que é gigante e que irá devastar, mas a uns mais diretamente do que a outros. E deixar marcas. 

Pensemos então: qualquer desabafo ou comentário que possamos fazer/escrever no sentido de julgar, criticar, em pouco ou nada vai melhorar a situação. Guardemo-los para nós se estes em nada acrescerem à melhoria. Unamo-nos, ajudemos o próximo com o pouco que tivermos, partilhemos. Fiquemos em casa, a única ação que depende de nós, pois há os que também gostariam, mas não podem. 

Foquemo-nos nisto.


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