Qual Joaquim? O NEE! Ah...

 

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Há muito que é comum a designação NEE na comunidade escolar. Está em desuso, mas a facilidade com que a pronunciamos ajuda a que se perpetue e conote todos os alunos com necessidades educativas especiais. São muitos, aliás, creio que cada vez mais, embora haja diferenças colossais entre eles.

Devem certamente dominar o ranking destas necessidades especiais, os alunos a quem foi diagnosticada dislexia, discalculia, disortografia, nomes pomposos muitas vezes acompanhados do apelido "défice de atenção". O percurso é sempre o mesmo: consulta-se o psicólogo por sugestão da escola ou por iniciativa da família; os miúdos são submetidos a uma bateria de testes e habitualmente saem do consultório com o relatório em papel timbrado a provar-lhes a disfunção, acrescida de um invisível mas marcante selo que os levará até à caixa de correio da educação inclusiva (é assim que se chama agora), o famoso decreto lei 54/2018.

De entre a multiplicidade de patologias, síndromes, disfunções, constrangimentos, lá se escolhem as alíneas no sentido de minorar lacunas, as medidas, as adaptações... cada uma delas com quase direito a um relatório emitido por professores do ensino especial, terapeutas, psicólogos, diretores de turma e demais professores de apoio.  E assim se entra numa espiral de estratégias, a fim de tentar incluir alunos no mesmo patamar de aprendizagem de outros, ou, em casos mais complicados, dar-lhes ferramentas que promovam a sua autonomia e capacidade de aprender. Conversa bonita, esta.

Até aqui falei das necessidades (preocupantemente) mais comuns. Não há turma que não tenha pelo menos um aluno com dislexia ou défice de atenção. Não se questiona, faz-se ou tenta-se fazer, muitas vezes sem meios para tal, pois os técnicos de apoio a alunos com necessidades especiais são cada vez em número menor, contrariamente aos alunos que deles precisam .

Há umas semanas chegou-me à porta da sala um aluno, já o relógio havia há muito ditado a hora de entrada. Pediu licença para entrar e eu assenti. Sentou-se na última fila, lugar certamente já habitual, sem dizer uma palavra. Pedi-lhe que se apresentasse e logo me apercebi pelo seu discurso meio atabalhoado, que não resultava apenas do nervoso miudinho da primeira aula, de que se trataria de um menino diferente.

Vou chamar-lhe Joaquim. Nem sempre vai às aulas porque beneficia de um currículo adaptado, mas pelo menos uma vez por semana, lá está ele sentado na última fila a rascunhar as páginas de um caderno vazio de conteúdos, porque a gramática não é para ele e as suas necessidades são muito mais especificas. Não sabia, contudo, apercebi-me. 

Dirijo-me junto dele, tal como faço com qualquer outro, mas o Joaquim tem pouco para mostrar (acha ele) e meio envergonhado lá me ostenta a página do caderno com rabiscos de todas as cores. Nos corredores, quando nos encontramos, meto conversa e o Joaquim, aos poucos, já vai estando mais à-vontade, e à luz da imitação, vai dando um ar de sua graça. Esta semana perguntava-me se eu tinha visto o professor "não sei quê". Não o consegui ajudar porque não sei quem é, e talvez o Joaquim também não.

Vagueia pela escola, sem um único colega a acompanhá-lo. Amigos não lhos conheço e não sei se terá. Parece-me que a professora do ensino especial que o acompanha faz os possíveis, dentro da sua capacidade, para o apoiar. E o Joaquim, à sua maneira, reconhece-lhe o esforço. Quere-a nas aulas de TIC (e provavelmente em todas as outras) porque sabe que tem ali alguém que o pode ajudar a qualquer momento. O Joaquim não faz ideia de que a professora de TIC tem que gerir mais vinte e tal meninos dentro da mesma sala, e que depois disto, não lhe sobra muito tempo para ele. Não deveria ser assim, mas é.

O Joaquim também nem sonha que brevemente irei articular com a sua professora de ensino especial para que também ele possa mostrar fichas com excelentes, feitas a pensar em si e nas suas capacidades. 

Não sei se o Joaquim é feliz. Talvez um dia lhe pergunte, mas até ver ficamos pela descoberta do seu mundo que há de ser bem mais complexo do que aquilo que eu possa imaginar, e que talvez nunca venha a entender. Porque às vezes, é melhor não entendermos tudo, não sabermos de mais. Porque a verdade dói e conhecer o mundo e a realidade tal como ela é, nem sempre fácil.

Talvez por isto, o Joaquim seja feliz.






Sugestão de leitura "Guia dos pais NEE" 

AQUI

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