Limpezas & rituais





Não sei se era assim com toda a gente, só sei que pelo menos nas povoações mais rurais e do interior, existia um ritual muito peculiar - as limpezas a fundo, no verão. Ou antes da festa da aldeia, para depois em jeito de bandeira mostrar aos familiares que vinham do estrangeiro ou da capital, ou meramente como demonstração de aprumo e asseio.
Qualquer uma que fizesse apenas uns baixinhos* habilitava-se a ser excomungada por aquelas que pintavam a casa, religiosamente todos os anos, mesmo que não fosse preciso!
Certo é, que as terras ficavam bonitas, brancas, de rodapés coloridos (barrões no Baixo-Alentejo) os quais faziam pandã com as grinaldas que atravessavam as ruas, a anunciar a festa em honra da padroeira.

Lembro-me bem da trabalheira que era, sim, porque sempre fui rapariga de arregaçar as mangas. Custava-me tanto apanhar as pingas de tinta que caiam no chão! E fazia-me uma impressão imensa olear os móveis com meias de vidro velhas que a minha mãe ia guardando para este efeito. Quando me vem à memória este ritual, até me dá um arrepio, que horror! Hoje também o faço, mas com panos de outra textura (que sempre deixam pêlos, lá está...) Também arrumava gavetas e organizava o roupeiro porque tudo tinha de ser limpo por fora e por dentro. Só anos mais tarde fui considerada apta a pegar no pincel ou rolo, pois ainda não tinha qualificação para tal! E do que eu me safei...

Agora os tempos são outros. Claro que limpo, claro que gosto de ter tudo organizado, mas dá-me a sensação de que os dias encurtaram e de que passaram a ter menos horas. A verdade é que mudamos e inevitavelmente, a rotina das fadas do lar, também. Dantes as pessoas pouco ou nada tinham para fazer nas férias. Saía-se pouco e parte deste tempo era confinado a esta entretenga (para mim, a mais obcecada trabalheira) sendo os hobbies exclusivamente contemplados pela renda, bordados e malha, incomparáveis aos de hoje.

Outro dos rituais era o de se fazer a limpeza semanal ao sábado, impreterivelmente ao sábado! Lembro-me bem disto; também se fazia em casa da minha mãe. Tapetes estonteantemente sacudidos e postos ao ar, nos parapeitos das janelas. No final, tudo a cheirar a "Pronto" e a limpa-vidros. Ainda há certamente quem siga esta rotina, embora a mim, não me assente com este rigor. Faço quando me apetece, se for necessário, e não desperdiço uma voltinha ou passeata, por conta da limpeza, ora pois então!

Limpo a fundo quando me dá na gana e pode até ser no inverno. Para isso, basta que pense que estou farta de ver este ou aquele móvel ali e vai tudo por arrasto. Fazer apontamentos a tinta de cor ou papel de parede também é outra panca que tenho, e vai daí, trocam-se peças de um lugar para outro, limpa-se e organiza-se como deve de ser, e entramos noutro ambiente. Ai se eu gosto disto! A parte pior é que fico quase sem me mexer, mas isso é apenas um pormenor.
É certo que o ambiente fica imaculado e perfeito, mas dura pouco, pois passados uns dias (ou horas) começam-se a vislumbrar migalhas no chão, as capas do sofá que entretanto estava imaculado, com manchas de pés ou ténis ou outra coisa qualquer... o equivalente a uma nova entrada em contagem decrescente, até à próxima intervenção de asseio.
É assim... um ritual que nunca se dá extinto, seja ele "ao de leve ou a fundo", ao sábado ou a qualquer outro dia (ou noite) da semana.



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* baixinhos - expressão utilizada no Alentejo, que significa limpar/pintar apenas em parte baixa, onde fosse mais visível (com tinta, cal ou lixívia) 

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