Com M grande - Paula




Já contava com dois. O terceiro vinha a caminho e tornar-se-ia em breve, mãe de três rapazes. No entanto, a gravidez dava indícios de que eventualmente, poderia haver algo menos bom.
Começa com a ecografia morfológica, a primeira suspeita. O médico referiu a existência de algumas anomalias no feto: pés-botos e um rim maior do que o outro. Posto isto, foi encaminhada pelo obstreta assistente, para uma conhecida maternidade da capital onde foi submetida a outra eco que comprova também, a alteração morfológica dos pés e do rim. Nada mais. Todas as medidas de perímetros cefálicos, entre eles a translucência da nuca estavam dentro dos parâmetros normais, daí que tenham sido relativizadas as anteriores opiniões. Ainda se equacionou a hipótese de uma amniocentese, contudo, com a gravidez já no segundo trimestre foi descartada a sua realização.

Paula carregava em si um filho e o peso da incerteza. A partir daqui, restava a esperança de um engano e de que tudo acabaria bem.
Os meses foram-se passando num misto de apreensão e alguma ansiedade até março, o mês em que o Pedro nasceu.
Logo após o parto, foi levado para a neonatologia. No dia seguinte, informara-a um cirurgião pediátrico de que o quadro clínico era muito grave e de que o bebé teria de ser operado o mais depressa possível.
Até aqui, esta mãe contava apenas com uma possível deformação nos pezinhos, visto que a morfologia do rim tinha voltado ao normal. De repente, o mundo virou-se do avesso e o céu desabou-lhe em cima. Não percebia concretamente o que estava a acontecer; receava pela vida do seu bebé e temia um desfecho trágico, perante a assinatura de um termo de responsabilidade de autorização à cirurgia.
Era apenas um recém-nascido, com 24h mas já votado a uma cirurgia - colostomia. Colocaram-lhe também, gesso no pezinhos. Correu bem! A reação do Pedro, saindo assim do risco de vida, comprovava o sucesso de uma operação pioneira num hospital distrital e a genialidade do jovem cirurgião.

Pensava-se não poder haver nada pior. Mas havia. A maldosa natureza reforçou a dose e agravou mais ainda o diagnóstico e consequentemente, o desconsolo desta mãe, que numa casualidade, fica a saber que o seu bebé era portador de trissomia 21. Como até esse momento só havia suspeitas, quiseram protegê-la. Já bastava o estado de choque em que se encontrava... Mas foi circunstancialmente que ficou a conhecer a parte incompleta da sua realidade. O resultado do exame chega mais tarde, a comprovar aquilo que agora já sabia.
Ao lado do seu menino, uma mãe destroçada mas incansável, já sem lágrimas, a prova viva da tristeza, da preocupação, mas sobretudo da ferida aberta que é assistir ao sofrimento de um filho, padeça ele do que padecer, tenha ele a idade que tiver.

Consumia-se por não estar com aqueles que também queriam e precisavam do seu colo mas não se podia dividir, embora o quisesse. Foram meses, em que trocou o conforto da sua casa por hospitais, por uma grande causa. Apesar disso, os mais velhos presentearam-na com uma compreensão exímia atendendo à idade que tinham e um amor incondicional pelo irmão, mal o viram pela primeira vez.
Por entre consultas e terapias, um ano e meio depois, a reconstrução do ânus (perfuração) e a retirada da bolsa da colostomia. Mais tarde, outra cirurgia desta vez ao cérebro, por conta da epilepsia e num dos maiores hospitais de Lisboa.
Com pequenas grandes conquistas, a mãe Paula prosseguia com fé, levada pela coragem de sempre e pelas mãos de Deus.

A vida não lhe tem sido generosa. Ainda assim, por entre constrangimentos e adversidades, a Paula tem-na levado da forma mais resiliente que pode ser. Ao seu lado está quem muito tem contribuído para vencer batalhas. Cada vitória é celebrada como uma dádiva, em família, um conceito a que sabe dar o devido valor e a que se chama gratidão.
Peculiarmente, traz sempre consigo o mais bonito acessório que podemos usar - o sorriso, o otimismo e a boa-disposição, que compactuam com o brilho nos olhos sempre que fala orgulhosamente, do seu caçula e dos mais velhos. Estes cresceram, fizeram-se homens de bem, como não poderia deixar de ser. O carinho com que tratam o mais novo é enternecedor, o afeto e o cuidado são evidentes e mostraram ser capazes de, apesar de tudo, conquistarem o seu mundo.

Há 15 anos que esta mãe tenta dar ao seu Pepê, o melhor, mas o sistema regular de ensino, por mais inclusivo que tente ser, não está ainda à altura de meninos especiais. Agora sim, está numa escola à sua medida, com atividades talhadas para si, apoiado por técnicos especializados que se entregam à causa e que todos os dias dão o seu melhor. E o Pedro retribui à sua maneira, ao seu ritmo, todo o empenho e tempo que lhe dedicam. Gosta da escola, muito, deixando aqueles que mais lhe querem, de coração cheio. 

Seja à primeira, à terceira, à quinta gravidez, nenhuma mãe/pai está preparado para ter um filho diferente; ninguém deseja, ninguém sonha. O choque inicial, as perguntas sem resposta e até a revolta, dão depois lugar à aceitação e à valentia de enfrentar e aceitar as provações. 
O Pedro é a maior lição de vida que esta mãe, pai, irmãos e restante família poderiam ter. Ganharam imunidade ao drama, às dificuldades e passaram a dar ainda mais valor ao momento.
Enquanto falávamos sobre a sua história, confessava orgulhosamente: "Tenho um ruivo, um loiro e um moreno, igualmente lindos!"

A Paula dá hoje rosto ao "com M grande" não apenas pelo facto de ser mãe de um filho com trissomia 21. A Paula é hoje a protagonista, por ser a mulher que é, por encarar a vida de uma forma leve e o mais descontraída possível, pese embora os momentos tão árduos pelos quais já passou. Todos os dias celebra conquistas, por mais pequenas que estas possam ser. Agradece-as e acima de tudo, sente-se feliz.
Aqui e agora, a Paula representa todas as mães de todos os "Pedros" porque a capacidade de mostrar um sorriso no rosto em momentos difíceis, não é para todos. Ouvi-la dizer "O meu Pepê é o miúdo mais sociável e simpático que conheço. O Pedro quebra barreiras!" é no mínimo, encantador!

Mãe Paula, mãe coragem.




Adivinha o quanto gosto de ti - André Sardet

Comentários

  1. As mães são valentes, mas umas mais que outras. Esta mãe é muito mesmo. Que Deus a abençoe.

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