Não estamos para sempre

Levamos a vida a correr, numa rotina frenética e às vezes até sem sentido. Tornámo-nos máquinas do faz-tudo e preferencialmente bem feito, num mundo que só permite o sucesso e resultados positivos.
Levamos tudo ou muito a peito, orgulhos feridos, suscetibilidades afetadas, stresses e ansiedades que nos ofuscam, por vezes sem razão. E assim vamos passando os dias, ainda que intercalados por clichés "a vida é para ser vivida", o "não deixes para amanhã o que podes fazer hoje". Mas não. Adiamos, constantemente.

Esperamos desesperadamente pelo fim de semana, quando a grande maioria das vezes, temos o dobro do trabalho e o descanso vemo-lo por um canudo. Aguardamos poder dormir que nem uns anjos, quando depois escancaramos os olhos ainda o dia não nasceu. Cancelamos aquele jantar com amigos porque está frio ou demasiado calor.
A história prometida que não é lida porque o cansaço se sobrepõe à promessa, o filme que não foi visto tal como havíamos combinado, sentados no chão da sala a comer pipocas, porque havia roupa para estender ou arrumar. Os biscoitos que não chegam a passar da intenção, …
E entregamo-nos ao depois faço, depois vou, achando-nos eternos, penhorando momentos por uma extrema racionalidade e por acharmos que um dia vai acontecer. Hipotecamos o estar com quem efetivamente faz parte de nós, porque "temos uma vida pela frente" e "mais oportunidades virão".
E os dias vão passando.
Mas um dia podemos já não estar, apesar das promessas de ir, de fazer e de ficar. Talvez tenha sido isto que aconteceu por estes dias, a uma mãe que com a minha idade, partiu prematuramente, sem aviso prévio, sem a mais pálida suspeita. Dói só de pensar, que não se despediu dos seus filhos. É contranatura o rombo, a fratura ao ser de uma criança que se vê repentinamente sem o colo, sem a presença insubstituível da mãe. Não consigo imaginar.
Provavelmente, também pensava que teria todo o tempo do mundo para fazer acontecer, mas o destino atraiçoou-a.

Ontem, quando o meu filho mais novo me disse que nunca tinha andado com ele no carrossel, estremeci. Se calhar não… porém, não me tinha ainda dado conta disso. Proporcionei-lhe dezenas de vezes a experiência, mas provavelmente não a partilhei com ele. Não fiz por mal, mas faltei-lhe. Ficou-me um misto de nostalgia e de dever cumprido, ainda a tempo de remediar.

Estamos sempre a tempo de mudar, de inverter o sentido da marcha, de estar. Ontem, fiz-lhe o gosto e deixei-o tão feliz, por nada, que para ele foi muito.
Há meninos que já não podem andar no carrossel que é a vida, com as suas mães. Se o fizeram fica a memória, se não, a inconformação.

Priorizemos aquilo que é verdadeiramente importante, enquanto é tempo. Ignoremos o que não tem importância já que não temos poderes mágicos para o evitar. Por nós, pelos nossos, sejam eles filhos, parentes ou amigos. É fácil falar, bem sei… mas tentemos.

Um dia não estaremos cá. Esta é a única certeza que temos na vida.


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