Nós, a dislexia e o défice de atenção

Há uns anos que lido com a dislexia e perturbação da hiperatividade e défice de atenção - PHDA.
Começou a manifestar-se precocemente, ainda no Jardim de Infância: o V revelava pouco interesse por atividades de papel e lápis, que exigissem maior perícia ao nível da motricidade fina e, menos ainda, se implicassem muito tempo de concentração.

O início do 1º ano foi desastroso. E eu não conseguia compreender a dificuldade que tinha em ler os ditongos e por que razão fazia trocas de sons e letras...
Os TPC's acumulavam-se entre o que não tinha terminado na escola ou nem sequer começado e mais um número considerável de fichas para fazer. Com isto, questionava a professora sobre o que se estava a passar e ouvia um "ele é muito preguiçoso, não quer fazer os trabalhos e não acompanha os outros....". Estas palavras soavam-me como morteiros nos meus ouvidos. Angustiavam-me, entristeciam-me.
Os fins de semana eram uma tortura; o volume de trabalhos de casa, o explicar-lhe mil vezes que era "ia" e não "ai" ou "au"... Juntava-se a impaciência, os gritos e a obrigação de apesar das dificuldades, ter de fazer. Arrependo-me tanto! Daí o ódio de estimação/trauma,  que tenho pelos trabalhos de casa.

Suspeitei de dislexia. Comecei a pesquisar e cada vez mais estava segura de que era. Indicaram-me uma psicóloga que, após uma bateria de testes, lhe diagnosticou "dislexia postural". Nunca tinha ouvido falar, mas se ali estava a solução, vamos lá a isso! Encaminhou-me para um oftalmologista na capital, que apregoava a cura para a tal patologia - lentes prismáticas, palmilhas, meias que ajudavam a manter a postura, secretária apropriada de plano inclinado, suporte para pés quando estava sentado, ... um colchão! Sim, um colchão e uma almofada, tudo pago a peso de ouro, numa loja da especialidade, por acaso pertença do dito senhor. Ficámo-nos pelas lentes, compradas na ótica do costume (que acabaram por mais tarde, lhe prejudicar a visão, mas felizmente retiradas a tempo).
Recorremos somente, ao plano inclinado e ao degrau, na sala de aula. E com isto o meu filho era mais ou menos, o ET lá do sítio.

Continuava numa procura incessante. Foi-me então sugerido por uma neuropediatra, uma consulta com uma psicóloga especialista em dislexia, uma das melhores do país. Com métodos próprios, não para tratar (porque a dislexia não tem cura), mas para ultrapassar constrangimentos na leitura e consequente interpretação de enunciados. Porém, deslocar-me quinzenalmente a Lisboa era tudo menos viável, daí que posteriormente, juntássemos várias sessões num dia, o que também se veio a revelar impraticável (não só pela despesa, como pelas faltas ao trabalho e à escola).

Foi então que, com o apoio incansável da professora de Ensino Especial, mas também da professora titular, se foi implementando o método da psicóloga, em "modo caseiro", isto é, articulado entre a família e a escola. Quanto ao défice de atenção, foram implementadas algumas estratégias. E foi assim que, aos poucos, se começaram a ver resultados. O V começou a ler, ainda que com menor fluência do que os colegas da mesma idade. 

Entretanto, a mesma médica que sugeriu a especialista em dislexia, também achou que com um medicamento  "milagroso", o processo seria mais célere e benéfico. Durante 3 anos, o V tomou Ritalina, uma droga legal consumida por crianças, e hoje em dia receitada a torto e a direito. O princípio ativo é o cloridrato de metilfenidato, o qual provoca emagrecimento extremo (pois retira o apetite), para além de dezenas de efeitos secundários graves!  Mas promove a atenção e a tranquilidade nos meninos desatentos... 
Confesso que inicialmente fiquei convencida, pois ter um filho com grandes capacidades intelectuais, mas sem resultados escolares à altura dos mesmos, era uma pena (pensava eu). O pai sempre se manifestou contra, sempre. Os professores animavam-se, pois reconheciam-lhe capacidades que pareciam estar adormecidas. "Adormecido" andou o meu filho durante os anos em que tomou este medicamento: emagreceu, sentia-se cansado, sonolento, por vezes apático.

Aquando dos exames de 4º ano, a médica aumentou a dose do medicamento. Durante 2 noites, o meu filho não dormiu (nem eu). Estava agitado e chorava por não conseguir dormir. Não comia absolutamente nada e se o fazia, vomitava.Veio a saber-se que se tratava de sobredose medicamentosa. Contrariamente à opinião da neuropediatra, e de muitos outros, o V deixou de tomar o medicamento.
Porquê? Porque preferi ter um filho com capacidades, embora com resultados baixos ou suficientes; preferi ter um filho tal como é, a tê-lo "dopado" semanas a fio; preferi ter um filho a alimentar-se convenientemente, a ter um filho a enjoar a comida e sem vontade de a comer...
Quando a médica me disse "Você por acaso é médica?", respondi-lhe, "não, sou mãe."

É efetivamente necessária muita paciência para lidar com alunos, filhos, explicandos, com dislexia e défice de atenção. A grande maioria dos professores não está tecnicamente preparada para isto. Ouvem falar. Só. Alguns são interessados (e o V tem tido a sorte de os ter), mas outros não, ainda que não façam por mal. Afinal, têm tanto que fazer e em que pensar. No entanto, os constrangimentos na leitura têm consequências diretas e graves na interpretação oral e na escrita; pior ainda quando acresce uma débil concentração. Mas isto nem sempre é entendido. E é difícil de explicar. Mas não se está desatento deliberadamente, de propósito ou porque sim. Os disléxicos, hiperativos e afins também não fazem por mal, antes, involuntariamente.

Apesar de tudo, sempre soube que ele daria a volta por cima. Sempre soube que poderia tirar "excelentes" a Matemática e ao que ele quisesse. Basta que queira (o que nem sempre acontece). É um rapaz esperto, com conhecimento do mundo que o rodeia, curioso. Contudo, é necessária insistência, perseverança, métodos de trabalho e de estudo, compreensão e a maturidade da própria criança.  Assim, mais tarde ou mais cedo, darão provas de que afinal, e apesar de alguns constrangimentos, são capazes!

Esta é a nossa história e vale o que vale.
Escrevi-a com o propósito de chamar a atenção para diagnósticos errados, para a procura de diferentes opiniões, para alertar para práticas pouco éticas por parte de alguns técnicos de saúde e para o uso indiscriminado de psicotrópicos, aparentemente inofensivos e milagrosos, mas com efeitos bastante adversos.

Deixo-vos este recente artigo e o Portal da Dislexia







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