O dia em que o Miguel nasceu

Vou contar-vos uma história de sangue, suor e lágrimas (literalmente!) que se passou há 8 anos. Foi escrita (à semelhança do que já tinha feito com os mais velhos) passavam poucos dias do 21 de novembro, o terceiro dia mágico da minha vida.

Se não o tivesse feito, talvez hoje não me lembrasse com exatidão de todos os pormenores, por isso quis torná-la memorável,  tal como o são todas as histórias de amor.

Publico-a hoje e aqui porque faz todo o sentido. Porque há precisamente 8 anos, eu tornei-me mãe de três!
Que esta história com início feliz, o seja sempre.




20 de Novembro 2009

22.00  
Sexta-feira, dia em que é permitido deitar mais tarde, sempre que o “João Pestana” o permite. Fui deitar os meus pinipons. Neste dia, retomei um ritual que já não vinha sendo hábito e li-lhes uma história, como que em jeito de último pedido.
Adormeceram… e eu também.


21   de Novembro 2009

01.00
Estava no quentinho, junto ao meu Vasco, como se os corpos formassem apenas um. Sentia-me mais protectora do que nunca e lamentava o facto de não cabermos os quatro (nós os 3 e a barriga), na mesma cama… desta vez calhava ao mais velho, o aconchego da noite. O Tomás dormia há muito, que nem um anjo. 
De repente, senti uma dor que me acordou de imediato. Como “multípara”, senti que faltava pouco para o dia M, momento pelo qual esperava ansiosamente, há já várias semanas.
Levantei-me e fui para o meu quarto. Passados 10 minutos, outra… e como numa sucessão quase compassada por um diapasão, a situação manteve-se até à 01.40, hora em que me levantei. Tomei duche. A partir daqui as dores iam e vinham, de 5 em 5 minutos.

02.15  
Prontos para sair, não sem antes rever os meus dois anjos, que dormiam serenamente. Beijei-os e não consegui conter as lágrimas…
De armas e bagagens e com uma permanente sensação de déjà vu, lá fomos nós para a maternidade. A viagem foi rápida e acompanhada de dores, sopros, e uma ansiedade que aumentava à medida que as luzes da cidade se avistavam.

02.45
Dei entrada no hospital; subi poucos momentos depois até à maternidade e, mais uma vez, sozinha. Mais uma vez foi barrada a entrada ao pai “porque o horário não o permite”, segundo a enfermeira da triagem. Mais uma vez… me via sem ninguém que me confortasse, num momento duro e tão especial.

02.55
O maqueiro chamou as enfermeiras e desejou-me sorte. Encostei-me à ombreira da porta enquanto esperava pelas senhoras. Limpei as lágrimas antes que se aproximassem de mim. Traduziam não o medo, mas a solidão. Pensava nos meus meninos...
Fui recebida por duas parteiras: Ju (de quem já tinha ouvido falar) e Eva (que coincidência!). Entrámos na sala de admissões onde foi seguido criteriosamente, o protocolo que tão bem conhecia… - preenchimento de ficha/questionário, observação, despe/veste… prontinha para o que desse e viesse. Com quatro dedos de dilatação eis-me no quarto com o mesmo nome. Como sempre, uma panóplia de técnicas e aparelhos faziam-me mentalizar que não havia volta a dar e que para a frente era o caminho…

Pensava para mim: outra vez??

As enfermeiras chamaram o anestesista que passados poucos minutos entrava no quarto: Buenas noches, disse, de forma reservada, mas simpática. Comecei a ficar nervosa: agulhas não são propriamente objectos que preze e muito menos, espetadas na coluna… o medo estava lá, mas as dores também. Optei pelo medo que mais tarde ou mais cedo, haveria de passar.
Segurei com muita força as mãos de quem me as ofereceu sem reservas; a enfermeira Ju acalmava-me com palavras doces e um tom de voz meigo. Este momento durou uma eternidade. Já eu pensava que a técnica estava concluída, ainda apenas tinha levado a primeira picada… que tortura! Pela segunda vez repetiu-se a “cena”: quase desmaiei, a tensão desceu drasticamente, alaguei-me em suores frios, o pé esquerdo começou a ficar dormente – epidural - parte II. Sem alarmismos, ali permaneceu o Dr. Javier, com quem passados alguns instantes, já falava tranquilamente.

Momentos depois, fiquei resignada à companhia de aparelhos barulhentos, no dito quarto, com apenas uma pequena luz de presença. Quase sem dor. Após escassos minutos, sem qualquer dor. Agora podia dormir! Qual quê?? Mas quem é que consegue dormir? – dois filhos em casa e outro prestes a chegar, um marido desamparado na sala de espera (onde se desespera) – situação injusta e incompreensível, principalmente quando se tem uma maternidade por nossa conta…

Nomes para o bebé … não havia consenso ou vontade de tomar uma decisão entre as múltiplas hipóteses que foram surgindo ao longo dos meses. Gostava de Simão, preferência que manifestava solitariamente entre os demais. Pensava para comigo: se fosse menina era fácil…  Gosto de nomes começados por M, M de Mãe… e neste momento, pensei nos meus pinipons mais crescidos, que tanto falavam em Miguel. E assim foi: MIGUEL. Mas era demasiado comum… tinha de ter qualquer outro que marcasse a diferença – Miguel Maria (sempre gostei do inverso para rapariga).

04.00
O papel do aparelho do CTG terminou. A dar conta disto mais um apito, a juntar aos muitos que me azucrinavam os ouvidos. Chamei a enfermeira; veio a Eva. Mudou-me o resguardo; a bolsa já tinha rebentado!

04.45
Desta vez, a enfermeira Ju. Fez-me o toque dizendo que estava a ir muito bem! A sua expressão deixou-me tranquila.

05.50
Chamei. Sentia uma pressão enorme. A enfermeira disse-me que podia começar a fazer força. A dilatação estava concluída.

06.40
Passei da cama para a cadeira de rodas onde fui transportada até à famosa sala de partos, na qual nunca tinha estado (à terceira foi de vez!). Com a ajuda de uma auxiliar (uma querida) e das enfermeiras, e com as pernas bambas, lá passei para a marquesa de partos. 
Instalada que estava, e com a enfermeira Ju à minha frente, fiz força duas vezes.

06.50
À terceira tentativa ouvi gabarem-me o períneo! ahahahah e logo de seguida, o meu filho: “que grande rapaz!”. Tranquilamente, puseram-mo junto ao peito, ainda quente, untado, acabado de sair do seu casulo.
Beijei-o com o mesmo afecto e amor como se da primeira vez se tratasse e dei-lhe as boas-vindas. 
Num ambiente calmo, a mesma sensação, o mesmo sentimento.

Entretanto, chegou o pai, equipado a rigor. Ficou longe da “frente de batalha”. Aproximou-se da enfermeira Eva e do tesouro que esta tinha em mãos. Foi aí que lhe comuniquei a escolha, a identidade do nosso caçula. Acrescentei ainda, o peso, tal era o meu espanto: 3980 Kg. Ao colo do pai observei-o melhor: achava-o parecido com o Vasco!

Após os primeiros cuidados, seguimos os três para o quarto de recobro. Momentos depois, ficámos apenas os dois - os guerreiros, num harmonioso silêncio, particularidade apenas possível a quem ama [per-di-da-men-te].


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